O legado de Krishnamacharya

Por Publicado em: 05/09/202335 minutos de leitura

Você pode nunca ter ouvido falar dele, mas Tirumalai Krishnamacharya influenciou, ou talvez até tenha inventado, o yoga que você faz.

Quer você pratique as séries dinâmicas de Pattabhi Jois, os refinados alinhamentos de B.K.S. Iyengar, as posturas clássicas de Indra Devi ou as vinyasas individualizadas de Viniyoga, sua prática tem origem em uma fonte: um brâmane de um metro e meio nascido há mais de cem anos numa pequena aldeia do sul da Índia.

Ele nunca cruzou um oceano, mas o yoga de Krishnamacharya difundiu-se através da Europa, Ásia e Américas. É difícil encontrar hoje dia uma tradição de prática de asanas que não tenha sido por ele influenciada. Mesmo que você tenha aprendido de um yogi hoje fora das tradições associadas a Krishnamacharya, é grande a chance de que seu professor tenha sido treinado nas linhagens Iyengar, Ashtanga ou Viniyoga, antes de desenvolver um outro estilo. Rodney Yee, por exemplo, que aparece em muitos vídeos populares, estudou com Iyengar. Richard Hittleman, um yogi bem conhecido através da TV nos anos 70, praticou com Indra Devi. Outros professores adotaram elementos dos vários estilos baseados em Krihnamacharya, criando abordagens únicas, como é o caso de Ganga White, com seu White Lotus Yoga e Manny Finger, com o ISHTA Yoga. A maioria dos professores, mesmo de estilos não diretamente ligados a Krishnamacharya – Shivananda Yoga e Bikram Yoga, por exemplo- foram em algum aspecto influenciado pelos ensinamentos de Krishnamacharya.

Muitas de suas contribuições estão tão completamente integradas ao tecido do Yoga, que a fonte foi esquecida. É dito que é ele o responsável pela ênfase moderna na prática de Shirshasana (Pouso sobre a Cabeça) e Sarvangasana (Pouso sobre os Ombros). Ele foi um pioneiro em refinar posturas, em otimizar a forma de colocá-las em seqüência e em conferir valor terapêutico a asanas específicas. Ao combinar pranayama e asana, ele fez das posturas parte integrante do processo de meditação, ao invés de simplesmente um passo em sua direção.

Na verdade, a influência de Krishnamacharya pode mais claramente ser vista na ênfase sobre a prática de asana, que se tornou a marca da prática de yoga hoje em dia. Provavelmente, nenhum yogi antes dele desenvolveu as práticas físicas tão deliberadamente. No processo, ele transformou Hatha – antes uma tendência obscura e estagnada do yoga – em sua corrente central. O ressurgimento do Yoga na Índia deve muitíssimo às suas incontáveis excursões com palestras e demonstrações públicas durante os anos 1930, e seus quatro mais famosos discípulos: Jois, Iyengar, Devi, e o filho de Krishnamacharya, T.K.V. Desikachar – desempenharam enorme papel na popularização do yoga no Ocidente.

Ele nunca cruzou um oceano, mas o yoga de Krishnamacharya difundiu-se através da Europa, Ásia e Américas. É difícil encontrar hoje dia uma tradição de prática de asanas que não tenha sido por ele influenciada. Mesmo que você tenha aprendido de um yogi hoje fora das tradições associadas a Krishnamacharya, é grande a chance de que seu professor tenha sido treinado nas linhagens Iyengar, Ashtanga ou Viniyoga, antes de desenvolver um outro estilo. Rodney Yee, por exemplo, que aparece em muitos vídeos populares, estudou com Iyengar. Richard Hittleman, um yogi bem conhecido através da TV nos anos 70, praticou com Indra Devi. Outros professores adotaram elementos dos vários estilos baseados em Krihnamacharya, criando abordagens únicas, como é o caso de Ganga White, com seu White Lotus Yoga e Manny Finger, com o ISHTA Yoga. A maioria dos professores, mesmo de estilos não diretamente ligados a Krishnamacharya – Shivananda Yoga e Bikram Yoga, por exemplo- foram em algum aspecto influenciado pelos ensinamentos de Krishnamacharya.

Muitas de suas contribuições estão tão completamente integradas ao tecido do Yoga, que a fonte foi esquecida. É dito que é ele o responsável pela ênfase moderna na prática de Shirshasana (Pouso sobre a Cabeça) e Sarvangasana (Pouso sobre os Ombros). Ele foi um pioneiro em refinar posturas, em otimizar a forma de colocá-las em seqüência e em conferir valor terapêutico a asanas específicas. Ao combinar pranayama e asana, ele fez das posturas parte integrante do processo de meditação, ao invés de simplesmente um passo em sua direção.

Na verdade, a influência de Krishnamacharya pode mais claramente ser vista na ênfase sobre a prática de asana, que se tornou a marca da prática de yoga hoje em dia. Provavelmente, nenhum yogi antes dele desenvolveu as práticas físicas tão deliberadamente. No processo, ele transformou Hatha – antes uma tendência obscura e estagnada do yoga – em sua corrente central. O ressurgimento do Yoga na Índia deve muitíssimo às suas incontáveis excursões com palestras e demonstrações públicas durante os anos 1930, e seus quatro mais famosos discípulos: Jois, Iyengar, Devi, e o filho de Krishnamacharya, T.K.V. Desikachar – desempenharam enorme papel na popularização do yoga no Ocidente.

Recuperando as Raízes do Yoga

 Quando a Yoga Journal me pediu para traçar o perfil de Krishnamacharya e seu legado, eu pensei que seguir a história de alguém que morreu há apenas uma década seria uma tarefa fácil. Mas eu descobri que Krishnamacharya permanece um mistério, até mesmo para sua família. Ele nunca escreveu suas memórias completas nem se atribui o mérito de suas inúmeras inovações. Sua vida está envolta em mito. Os que o conheceram bem já estão velhos. Se perdermos suas lembranças, corremos o risco de perder mais do que a história de um dos mais notáveis adeptos do yoga: corremos o risco de perder uma clara compreensão da história da vibrante tradição que herdamos.

É interessante observar o quanto à evolução da personalidade multi-facetada desse homem ainda influencia o yoga que praticamos hoje. Krishnamacharya começou sua carreira como professor aperfeiçoando e ensinando uma versão rigorosa e idealizada de hatha yoga. A partir de então, à medida que as correntes da história o impeliram a adaptar, tornou-se um dos grandes reformadores do yoga. Alguns de seus alunos lembram-no como um professor severo, volátil. B.K.S. Iyengar me disse que Krishnamacharya poderia ter sido um santo, não fosse tão autocentrado e de tão mau temperamento. Outros recordam-no como um mentor gentil, que tratava com carinho suas individualidades. Desikachar, por exemplo, descreve seu pai como uma pessoa afável, que com freqüência colocava as sandálias de seu guru sobre o topo da cabeça, num ato de humildade.

Esses dois homens permanecem, ambos, ferozmente leais a seu guru, mas eles conheceram Krishnamacharya em diferentes estágios da sua vida: é como se eles relembrassem duas pessoas diferentes. Características aparentemente opostas podem também ser vistas nos tons contrastantes das tradições que ele inspirou – algumas suaves, outras rigorosas, cada qual atraindo diferentes personalidades e conferindo profundidade e variedade à nossa prática de hatha yoga ainda em evolução.

Emergindo das Sombras

 O mundo do yoga que Krishnamacharya herdou ao nascer, em 1888, parecia muito diferente do de hoje. Sob a pressão do domínio colonial britânico, o hatha yoga estava marginalizado. Apenas um pequeno círculo de praticantes indianos permanecera. Mas na metade do século XIX e nos primeiros anos do século XX, um movimento de revitalização da fé Hindu deu novo alento à herança da Índia. Então jovem, Krishnamacharya mergulhou em busca dessa herança, aprendendo diversas disciplinas indianas clássicas, incluindo Sânscrito, lógica, ritualística, direito e as bases da medicina indiana. No devido tempo, ele canalizaria esse amplo background para o estudo do yoga, onde ele sintetizou a sabedoria de todas essas tradições.

De acordo com as notas biográficas que Krishnamacharya fez perto do final de sua vida, seu pai o iniciou ao yoga na idade de cinco anos, quando começou a ensinar-lhe os sutras de Patanjali e contou-lhe que sua família descendia do reverenciado yogi do século IX, Nathamuni. Embora o pai tenha morrido antes que Krishnamacharya alcançasse a puberdade, ele instilou em seu filho uma sede abrangente pelo conhecimento e um desejo específico de estudar yoga. Em outro manuscrito, Krishnamacharya escreveu que “enquanto ainda garoto”, aprendeu 24 asanas de um swami do Sringeri Math, o mesmo templo que deu origem à linhagem de Shivananda Yogananda. Então com a idade de 16, ele fez uma peregrinação ao santuário de Nathamuni em Alvar Tirunagari, onde encontrou seu legendário antepassado durante uma visão extraordinária.

Como sempre contou a história, Krishnamacharya narra que encontrou no portão do templo um homem velho que lhe fazia sinal apontando uma mangueira próxima. Krishnamacharya caminhou em direção a ela e desmaiou ao pé da árvore, exausto. Quando levantou, viu três yogui que estavam ali reunidos. Seu ancestral Nathamuni sentava-se no meio. Krishnamacharya prostrou-se diante dele e pediu-lhe instrução. Por horas, Nathamuni entoou para ele versos do Yogarahasya (em Sânscrito, A Essência do Yoga), um texto perdido mais de mil anos antes. Krishnamacharya memorizou e mais tarde transcreveu esses versos.

As sementes de vários elementos dos ensinamentos inovadores de Krishnamacharya podem ser encontradas nesse texto, que está disponível numa tradução para o Inglês (Yogarahasya, traduzido por T.K.V. Desikachar, Krishnamacharya Yoga Mandiram 1998). Apesar de a narrativa sobre sua autoria poder parecer fantasiosa, ela aponta para um importante traço da personalidade de Krishnamacharya: ele nunca reivindicou originalidade. Em sua visão, o Yoga pertencia a Deus. Todas as suas idéias, originais ou não, ele atribuía a textos antigos ou a seu guru.

Após a experiência no santuário de Nathamuni, Krishnamacharya continuou sua exploração do arcabouço completo de disciplinas indianas clássicas, graduando-se em filologia, lógica, mística e música. Praticou yoga a partir de rudimentos aprendidos através de textos e entrevistas ocasionais com um yogi, mas ele desejava estudar yoga mais profundamente, como seu pai tinha recomendado. Um professor da Universidade viu Krishnamacharya praticando suas asanas e aconselhou-o a procurar um mestre chamado Sri Ramamohan Bramachari, um dos poucos mestres de hatha yoga remanescentes.

Sabemos pouco a respeito de Bramachari, exceto que ele vivia com sua esposa e três filhos em uma caverna remota. Pelo relato de Krishnamacharya, ele passou sete anos com esse professor, memorizando o Yogasutra de Patanjali, aprendendo asanas e pranayama e estudando os aspectos terapêuticos do yoga. Durante seu aprendizado, Krishnamacharya afirma ter dominado 3.000 asanas e desenvolvido algumas de suas mais notáveis habilidades, como a de parar seu pulso. Em troca pela instrução, Bramachari pediu a seu leal aluno que retornasse à sua terra natal para ensinar yoga e formar uma família.

A educação de Krishnamacharya o havia preparado para ocupar posição em qualquer das mais prestigiadas instituições, mas ele renunciou a essa oportunidade, escolhendo honrar o pedido que seu guru lhe fizera ao partir. Apesar de toda a sua formação, Krishnamacharya retornou ao lar e à pobreza. Nos anos 20, ensinar yoga não era lucrativo. Os alunos eram poucos, e Krishnamacharya foi forçado a assumir o emprego de capataz numa plantação de café, Mas, em seus dias livre, ele viajava por toda a província, fazendo conferências e demonstrações de yoga. Krishnamacharya buscava popularizar o yoga através da demonstração de siddhis, as habilidades paranormais do corpo “yóguico”. Essas demonstrações, destinadas a estimular o interesse em uma tradição que morria, incluíam suspender seu pulso, para carros somente com a força de suas mãos, realizar asanas difíceis e suspender objetos pesados com seus dentes. Para ensinar yoga às pessoas, sentia Krishnamacharya, ele tinha que primeiro captar sua atenção.

Através de um casamento arranjado, Krishnamacharya honrou o segundo pedido de seu guru. Yogis antigos eram renunciantes, que viviam na floresta sem lares ou famílias. Mas o guru de Krishnamacharya queria quer ele aprendesse sobre a vida em família, e ensinasse um yoga que beneficiasse os chefes de casa modernos. De início, esse caminho mostrou-se difícil. O casal vivia em pobreza tão profunda que Krishnamacharya vestia-se com uma tanga costurada com tecido rasgado do sari de sua esposa. Mais tarde ele lembraria desse período como um dos mais árduos de sua vida, mas as dificuldades apenas fortaleceram ainda mais a ilimitada determinação de Krishnamacharya de ensinar yoga.

 

Desenvolvendo Ashtanga Vinyasa

 Mas a sorte de Krishnamacharya melhorou em 1931, quando ele recebeu um convite para ensinar no Sanskrit College, em Mysore. Lá, ele recebeu um bom salário e a oportunidade de devotar-se ao ensino de yoga em tempo integral. A família real de Mysore há muito era defensora de todas as formas de arte locais, dando suporte à revitalização da cultura indiana. Eles já haviam patrocinado o hatha yoga por mais de um século, e sua biblioteca abrigava uma das mais antigas compilações ilustradas de asana, agora conhecida: o Sritattvanidhi (traduzido para o Inglês pelo erudito em Sânscrito Norman E. Sjoman em The Yoga Tradition of The Mysore Palace, Adhinav Publications, New Delhi, 1999).

Pelas próximas duas décadas, o Maharaja de Mysore ajudou Krishnamacharya a promover o yoga por toda a Índia, financiando demonstrações e publicações. Diabético, o Maharaja sentia-se especialmente atraído pela ligação entre yoga e cura, e Krishnamacharya dedicou muito do seu tempo a desenvolver essa conexão. Mas o posto de Krishnamacharya no Sanskrit College não durou. Ele era um disciplinador demasiadamente severo, queixavam-se seus alunos. Como o Maharaja gostava de Krishnamacharya e não queria perder sua amizade e conselho, propôs-lhe uma solução: ele oferecia a Krishnamacharya o salão de ginástica do palácio e sua própria yogashala, ou escola de yoga.

Assim começou um dos períodos mais férteis de Krishnamacharya, durante o qual ele desenvolveu o que hoje é conhecido como Ashtanga Vinyasa Yoga. Como os alunos de Krishnamacharya eram principalmente jovens rapazes ativos, ele recorreu a muitas disciplinas – incluindo yoga, ginástica e boxe indiano – para desenvolver seqüências de asanas a serem realizadas dinamicamente, destinadas a construir boa forma física. Esse estilo de vinyasa usa os movimentos do Surya Namaskar (Saudação ao Sol) para introduzir cada asana e novamente sair dela. Cada movimento é coordenado com uma respiração pré-estabelcida e um drshti, “pontos de concentração do olhar” que dão foco aos olhos e instilam concentração meditativa. Finalmente, Krishnamacharya padronizou as seqüências de posturas em três séries, constituídas de asanas preliminares, intermediárias e avançadas. Os estudantes foram agrupados por ordem de experiência e habilidade, devendo memorizar e dominar cada seqüência antes de avançar para a próxima.

Embora Krishnamacharya tenha desenvolvido essa forma de fazer yoga nos anos 1930, ela permaneceu virtualmente desconhecida no Ocidente por quase 40 anos. Recentemente, esse se tornou um dos mais populares estilos de yoga, principalmente devido ao trabalho de um dos mais fiéis e famosos alunos de Krishnamacharya, K. Pattabhi Jois.

Pattabhi Jois encontrou Krishnamacharya nos tempos difíceis, antes dos anos de Mysore. Como um robusto menino de 12 anos, Jois assistiu a uma das conferências de Krishnamacharya. Interessado pela demonstração de asanas, Jois pediu a Krishnamacharya que ensinasse yoga a ele. As aulas começaram no dia seguinte, horas antes do sino da escola tocar e continuaram a cada manhã, por três anos, até Jois deixar a casa para cursar o Sanskrit College. Quando Krishnamacharya foi indicado para ensinar ali, menos de dois anos mais tarde, um exultante Pattabhi Jois recomeçou suas aulas de yoga.

Jois reteve com riqueza de detalhes o que aprendeu nos seus anos de estudo com Krishnamacharya. Por décadas, ele tem preservado aquele trabalho com grande devoção, refinando e dando novas inflexões às seqüências de asanas, sem modificações significativas; mais como um violinista clássico daria nuances ao fraseado de um concerto de Mozart, sem no entanto mudar uma nota. Jois tem dito freqüentemente que o conceito de vinyasa veio de um texto antigo, chamado Yoga Kuruntha. Infelizmente, o texto desapareceu; ninguém que esteja vivo o viu. Existem tantas histórias sobre sua descoberta e conteúdo – eu escutei pelo menos cinco versões conflitantes – que alguns questionam sua autenticidade. Quando perguntei a Jois se ele tinha alguma vez lido o texto, ele respondeu: “Não, só Krishnamacharya”. Jois então minimizou a importância dessa escritura, apontando muito outros textos que também deram forma ao yoga que ele aprendeu de Krishnamacharya, incluindo o Hatha Yoga Pradipika, o Yoga Sutra e a Bhagavad Gita.

Quaisquer que sejam as raízes do Ashtanga Vinyasa, hoje ele é um dos mais influentes componentes do legado do legado de Krishnamacharya. Talvez esse método, originalmente destinado às crianças, proporcione à nossa cultura, altamente energética e exteriorizada, uma entrada acessível para um caminho de espiritualidade mais profunda. Nas últimas três décadas, vem crescendo de forma estável o número de yogis que se sentem atraídos pela sua precisão e intensidade. Muitos deles fizeram a peregrinação a Mysore, onde Jois ainda dá instrução.

Despedaçando uma Tradição

 Mesmo quando Krishnamacharya ensinava jovens e meninos no Palácio de Mysore, suas demonstrações públicas atraíam uma audiência mais variada. Ele apreciava o desafio de apresentar yoga a pessoas de diferentes backgrounds. Nas freqüentes viagens, que chamava de “excursões de propaganda”, ele introduziu o yoga aos soldados britânicos, aos maharajas muçulmanos, e indianos de outras crenças religiosas. Krishnamacharya enfatizava que o yoga podia servir a qualquer credo e adaptou sua abordagem de forma a respeitar a fé de cada aluno. No entanto, ao passo que transpunha diferenças culturais, religiosas e de classe, a atitude de Krishnamacharya com relação às mulheres permanecia patriarcal. O destino, contudo, pregou-lhe uma peça: o primeiro aluno que traria o seu yoga para o palco do mundo apresentou-se para instrução vestindo um sari. E ela, além disso, era uma ocidental! A mulher, que se tornou conhecida como Indra Devi (nascera Zhenia Labunskaia, na pré-soviética Latvia) era amiga da família real de Mysore. Após assistir a uma das demonstrações de Krishnamacharya, ela pediu para ser instruída. De início, Krishnamacharya recusou-se a ensiná-la. Disse-lhe que sua escola não aceitava nem estrangeiros nem mulheres. Mas Devi insistiu, induzindo o Maharaja a persuadir seu brâmane. Relutante, Krishnamacharya começou as lições com ela, submetendo-a a severas orientações quanto à dieta e a um horário difícil, destinado a quebrar sua determinação. Ela enfrentou cada desafio imposto por Krishnamacharya, tornando-se finalmente sua boa amiga e aluna exemplar.

Após um ano inteiro de aprendizado, Krishnamacharya instruiu Devi para que se tornasse professora de yoga. Pediu-lhe que trouxesse um caderno e passou vários dias ditando-lhe lições sobre o aprendizado de yoga, dieta e pranayama. Extraindo material desse ensinamento, Devi veio a escrever o primeiro best-seller sobre hatha yoga, Forever Young, Forever Healthy (Prentice Hall, Inc., 1953). Nos anos posteriores ao seu estudo com Krishnamacharya, Devi fundou a primeira escola de yoga em Shangai, China, onde Madame Chiang Kai-Shek tornou-se sua aluna. Finalmente, ao convencer os líderes soviéticos de que yoga não era uma religião, foi ela que abriu ao yoga as portas da União Soviética, onde até então ele era ilegal. Em 1947, ela se mudou para os Estados Unidos. Vivendo em Hollywood, tornou-se conhecida como a “Primeira Dama do Yoga”, atraindo alunos célebres como Marilyn Monroe, Elisabeth Arden, Greta Garbo e Gloria Swanson. Graças a Devi, o yoga de Krishnamacharya gozou seu primeiro sucesso internacional.

Embora ela tenha estudado com Krishnamacharya durante o período de Mysore, o yoga que Indra Devi veio a ensinar tem pouca semelhança com o Ashtanga Vinyasa de Jois. Prenunciando o yoga altamente individualizado que ele viria a desenvolver mais profundamente em seus últimos anos, Krishnamacharya ensinou a Devi uma forma mais suave, acomodando mas também desafiando suas limitações físicas.

Devi manteve sempre esse tom suave em seu ensino. Embora seu estilo não empregue vinyasa, ela usa os princípios de Krishnamacharya para criar as seqüências, de tal forma que suas aulas expressam uma jornada deliberada, começando com as posturas de pé, progredindo em direção à asana central, seguida pelas posturas complementares e concluindo com a relaxação. Como a Jois, Krishnamacharya ensinou-a a combinar pranayama e asana. Em sua linhagem, os alunos ainda praticam cada postura com técnicas respiratórias prescritas.

Devi acrescentou um aspecto devocional ao seu trabalho, que ela chama de Sai Yoga. A postura principal de cada aula inclui uma invocação, de tal forma que o fulcro de cada prática envolve uma meditação, na forma de uma prece ecumênica. Embora ela tenha desenvolvido esse conceito por si própria, talvez ele já estivesse presente em forma embrionária nos ensinamentos que ela recebeu de Krishnamacharya. No final de sua vida, Krishnamacharya também recomendou o canto devocional em meio à prática de asana.

Hoje, aproximando-se dos 103 anos (N.T. – Indra Devi faleceu no início de 2002), Devi recebe alunos todas as tardes, em uma de suas seis escolas de Yoga em Buenos Aires, Argentina. Até três anos atrás ela ainda ensinava asanas. Em plenos 90 anos, ela continuava percorrendo o mundo, levando a influência de Krishnamacharya a um grande número de seguidores por toda a América do Norte e do Sul. Seu impacto nos Estados Unidos diminuiu quando ela se mudou para a Argentina, em 1985, mas seu prestígio na América Latina se estende muito além da comunidade de yoga.

Seria muito difícil encontrar em Buenos Aires alguém que não a conheça, Ela tocou todos os níveis da sociedade latina: o motorista de táxi que me levou à sua casa para uma entrevista descreveu-a como “uma mulher muito sábia”; no dia seguinte, o presidente da Argentina, Menen, foi até ela para receber bênçãos e conselhos. As seis escolas de yoga de Devi oferecem 15 aulas diárias de asana e graduam
professores em seu programa de treinamento de quatro anos, que recebeu um grau de nível superior reconhecido internacionalmente.

Ensinando Iyengar

Durante o período em que estava ensinando Devi e Jois, Krishnamacharya também se ocupava brevemente da instrução de um menino chamado B.K.S. Iyengar, que cresceria para desempenhar talvez o mais significante papel, como nenhum outro professor, em trazer o hatha yoga para o Ocidente.

É difícil imaginar como o nosso yoga seria sem as contribuições de Iyengar, sua precisamente detalhada, sistemática articulação de cada asana, sua pesquisa sobre as aplicações terapêuticas, e seu rigoroso sistema de treinamento em múltiplos níveis, os quais produziram inúmeros professores influentes.

É também difícil saber até que ponto o treinamento com Krishnamacharya afetou o desenvolvimento posterior de Iyengar. Apesar de intensa, a permanência de Iyengar com seu professor durou apenas um ano. Junto com a ardente devoção pelo yoga que evocou em Iyengar, talvez Krishnamacharya tenha plantado as sementes que mais tarde vieram a germinar em seu yoga maduro. (Algumas das características pelas quais o yoga de Iyengar é reconhecido – particularmente as modificações de posturas e o uso do yoga para curar – são muito similares àquelas desenvolvidas por Krishnamacharya na última fase de seu trabalho). Talvez qualquer questionamento profundo sobre o hatha yoga tenda a produzir resultados paralelos. De qualquer modo, Iyengar sempre reverenciou seu guru de infância. Ele ainda diz: “Eu sou um modelo pequeno em yoga; meu guruji era um grande homem”.

O destino de Iyengar não era aparente a princípio. Quando Krishnamacharya o recebeu em sua família – a esposa de Krishnamacharya era irmã de Iyengar -, ele previu que aquele adolescente rígido e doentio não alcançaria sucesso no yoga. Na verdade, o relato de Iyengar sobre sua vida com Krishnamacharya soa como uma novela de Dickens. Krishnamacharya podia ser um chefe extremamente áspero. De início, ele sequer se incomodou de ensinar Iyengar, que passava os dias regando os jardins e fazendo outros serviços. A única amizade de Iyengar veio de seu companheiro de quarto, um menino chamado Keshavamurthy, que vinha a ser o afilhado favorito de Krishnamacharya. Numa estranha volta do destino, Keshavamurthy desapareceu numa manhã e nunca mais retornou. Krishnamacharya estava a apenas alguns dias de uma importante demonstração no yogashala e estava contando com seu aluno estrela para realizar as asanas. Confrontado com essa crise, Krishnamacharya rapidamente começou a ensinar a Iyengar uma série de posturas difíceis.

Iyengar praticou diligentemente a, no dia da demonstração, surpreendeu Krishnamacharya com uma performance excepcional. Depois disso, Krishnamacharya, de boa fé, começou a ensinar seu aluno tão determinado. Iyengar progrediu rapidamente, começando a ajudar nas aulas do yogashala e acompanhando Krishnamacharya em suas viagens de demonstrações. Mas Krishnamacharya continuava em seu estilo autoritário de instrução. Uma vez, quando pediu a Iyengar que demonstrasse Hanumanasana (um “spacato” completo), Iyengar queixou-se de que nunca tinha aprendido a postura. “Faça!” ordenou Krishnamacharya. Iyengar obedeceu, e rompeu o tendão da coxa.

O rápido aprendizado de Iyengar terminou abruptamente. Depois de uma demonstração de yoga na província de Karnataka, no norte, um grupo de mulheres pediu instrução a Krishnamacharya. Ele escolheu Iyengar, o mais novo dos alunos que estavam com ele, para conduzir as mulheres numa aula separada, uma vez que homens e mulheres não estudavam juntos naquela época. O ensinamento de Iyengar impressionou-as. A pedido delas, Krishnamacharya designou Iyengar a permanecer como seu instrutor.

Ensinar representou uma promoção para Iyengar, mas fez pouco por melhorar sua situação. Ensinar yoga ainda era uma profissão marginal. Às vezes, recorda Iyengar, ele comia apenas um prato de arroz em três dias, sustentando-se quase que só com água. Mas ele devotou-se com firme propósito ao yoga. Na verdade, diz Iyengar, ele estava tão obcecado que alguns vizinhos e a família achavam que ele estava louco. Ele podia praticar horas a fio, usando pesados paralelepípedos para forçar suas pernas em Baddhakonasana e deitar-se de costas sobre uma roda de vapor estacionada na rua para melhorar sua Urdhva-Dhanurasana. Preocupado com seu bem-estar, o irmão de Iyengar providenciou seu casamento com uma moça de 16 anos, chamada Ramamani. Felizmente para Iyengar, Ramamani respeitou seu trabalho e se tornou uma parceira importante em sua investigação sobre asanas.

A centenas de milhas de distância de seu guru, a única maneira de Iyengar aprender mais sobre asanas era explorar as posturas com seu próprio corpo e analisar seus efeitos. Com a ajuda de Ramamani, Iyengar refinou e aperfeiçoou os asanas que aprendera de Krishnamacharya.

Assim como com Krishnamacharya, Iyengar, à medida que pouco a pouco ganhava alunos, modificava e adaptava posturas para atender as necessidades de seus estudantes. Também como Krishnamacharya, Iyengar nunca hesitou em inovar. Ele abandonou completamente o estilo de prática com vinyasa de seu mentor. Ao invés disso, pesquisou constantemente a natureza do alinhamento interno, considerando o efeito de cada parte do corpo, até da pele, ao desenvolver cada postura. Já que muitas pessoas menos em forma dos que os jovens alunos de Krishnamacharya procuravam a instrução de Iyengar, ele aprendeu a usar suportes para ajudá-las. E como alguns de seus estudantes eram doentes, Iyengar começou a desenvolver asana como uma prática de cura, criando programas terapêuticos específicos. Em acréscimo, Iyengar passou a encarar o corpo como um templo e asana como oração. A ênfase de Iyengar em asana nem sempre agradou seu antigo professor. Embora Krishnamacharya tenha louvado a habilidade de Iyengar na prática de asana, na celebração dos 60 anos de Iyengar, ele também sugeriu que era hora de ele abandonar asana e focar-se na meditação.

Nos anos de 1930, 40 e 50, cresceu a reputação de Iyengar como professor e terapeuta. Ele recebeu alunos bem conhecidos, respeitados, como o filósofo-sábio Jiddhu Krishnamurti e o violinista Yehudi Menuhim, que ajudaram a conduzir os alunos ocidentais aos seus ensinamentos. Nos anos 60, o yoga estava se tornando parte da cultura mundial, e Iyengar foi reconhecido como um dos seus principais embaixadores.

Sobrevivendo aos Anos de Escassez

 Mesmo que seus alunos prosperassem e difundissem seu evangelho do yoga, o próprio Krishnamacharya encontrava novamente tempos difíceis. Por volta de 1947, as matrículas minguavam no yogashala. Segundo Jois, apenas três alunos permaneceram. O patrocínio do governo terminara; a Índia conquistara sua independência e os políticos que substituíram a família real de Mysore tinham pouco interesse em yoga. Krishnamacharya lutou para manter a escola, mas em 1950 ela fechou. Como professor de yoga, aos 60 anos de idade, Krishnamacharya viu-se na difícil posição de ter que começar de novo.

Ao contrário de alguns de seus pupilos, Krishnamacharya não desfrutou as alegrias da crescente da popularidade do yoga. Ele continuava a estudar, ensinar e elaborar seu yoga na quase obscuridade. Iyengar especula que foi esse período solitário que mudou o temperamento de Krishnamacharya. Na visão de Iyengar, Krishnamacharya podia permanecer distante, alheio, sob a proteção do Maharaja. Mas, contando apenas consigo, tendo que encontrar alunos particulares, Krishnamacharya teve mais motivação para adaptar-se à sociedade e para desenvolver maior compaixão.

Como nos anos 20, Krishnamacharya lutava para encontrar trabalho, deixando finalmente Mysore e aceitando um cargo de professor no Vivekananda College, em Chennai. Novos alunos pouco a pouco apareceram, incluindo pessoas de todos os tipos de vida e em diferentes estados de saúde, e Krishnamacharya descobriu novas maneiras de ensiná-los. Como vieram alunos com menos aptidão física, incluindo alguns com deficiências, Krishnamacharya concentrou-se em adaptar as posturas a capacidade de cada aluno.

Por exemplo, ele instruiria um aluno a fazer Pascimottanasana (flexão à frente sentado) com os joelhos retos, para alongar seus músculos posteriores, enquanto um aluno mais rígido aprenderia a mesma postura com os joelhos flexionados. De forma semelhante, ele poderia variar a respiração para atender as necessidades do aluno, às vezes contraindo o abdômen, para enfatizar a exalação, outras vezes apoiando as costas, para enfatizar a inalação. Krishnamacharya variou a duração, a freqüência e a maneira de por em seqüência os asanas para ajudar os alunos a alcançar metas a curto prazo, como se recuperar de uma doença. À medida que a prática dos alunos progredia, ele os ajudaria a refinar os asanas em direção à sua forma ideal. Em seu modo individual, próprio, Krishnamacharya ajudava seus alunos a moverem-se de um yoga adaptado às suas limitações para um yoga que ampliasse suas capacidades. Essa abordagem, que hoje é comumente designada como Viniyoga, tornou-se a marca registrada do ensino de Krishnamacharya durante suas décadas finais.

Krishnamacharya se dispunha a aplicar tais técnicas a quase qualquer problema de saúde. Uma vez, um médico pediu-lhe que o ajudasse com uma vítima de derrame. Krishnamacharya manipulou os membros sem vida do paciente, colocando-o em várias posturas, num tipo de fisioterapia “yóguica”. Como com muitos dos alunos de Krishnamacharya, a saúde desse homem melhorou – e assim Krishnamacharya fez fama como responsável por curas.

Foi essa reputação como terapeuta que atrairia a Krishnamacharya seu último maior discípulo. Mas, naquele tempo, ninguém – muito menos Krishnamacharya – teria adivinhado que seu filho, T.K.V. Desikachar se tornaria o renomado yogi que comunicaria ao mundo do yoga no Ocidente toda a abrangência da carreira de Krishnamacharya e, especialmente, seus últimos ensinamentos.

Mantendo Viva a Chama

Embora nascido numa família de yogis, Desikachar não sentiu desejo algum de seguir essa vocação. Quando criança, fugia quando seu pai o chamava para fazer asanas. Krishnamacharya pegou-o uma vez, amarrou seus pés e mãos em Baddhapadmasana (Postura do Lótus com Flexão), e deixou-o amarrado por meia hora. Pedagogia como essa não motivou Desikachar a estudar yoga, mas finalmente a inspiração viria por outros meios.

Depois de graduar-se na universidade, com um diploma em Engenharia, Desikachar foi encontrar-se à família para uma curta visita. Ele estava a caminho de Delhi, onde lhe havia sido oferecido um bom emprego numa firma européia. Uma manhã, estava Desikachar sentado no degrau da frente lendo um jornal, quando avistou um enorme e desajeitado carro americano subindo a rua estreita em frente a casa de seu pai. Justo então, Krishnamacharya saiu à rua, usando apenas um dhoti e as marcas sagradas que significavam sua devoção de toda a vida ao deus Vishnu. O carro parou e uma senhora de meia-idade, parecendo européia, saltou do banco de trás, gritando “Professor, Professor!”. Ela irrompeu em direção a Krishnamacharya, lançou seus braços ao redor dele e abraçou-o.

O sangue deve ter desaparecido do rosto de Desikachar quando seu pai retribuiu imediatamente aquele abraço. Naqueles dias, senhoras ocidentais e brâmanes absolutamente não se abraçavam – especialmente não no meio da rua, e especialmente não no caso de um brâmane tão observante quanto Krishnamacharya. Quando a mulher saiu, “Por quê??!!!” foi tudo o que Desikachar conseguiu balbuciar. Krishnamacharya explicou que a mulher estava estudando yoga com ele. Graças à ajuda de Krishnamacharya, ela tinha conseguido dormir na noite anterior sem remédios, pela primeira vez em 20 anos. Talvez a reação de Desikachar a essa revelação tenha sido providência ou karma; certamente, essa evidência do poder do yoga proporcionou-lhe uma curiosa epifania, que mudaria sua vida para sempre. Naquele instante, ele resolveu aprender o que seu pai sabia.

Krishnamacharya não deu boas vindas ao recém-descoberto interesse em yoga de seu filho. Ele disse a Desikachar que continuasse com sua carreira de engenheiro e deixasse o yoga em paz. Desikachar recusou-se a ouvir. Rejeitou o emprego em Delhi, encontrou trabalho numa firma local, e incomodou seu pai em busca de ensinamentos. Finalmente, Krishnamacharya cedeu. Mas, para assegurar-se da seriedade de seu filho – ou talvez para desencorajá-lo -, Krishnamacharya exigiu que as aulas começassem às 3h30 cada manhã. Desikachar concordou em submeter-se às exigências do pai, mas insistiu em uma condição de sua parte: nada de Deus. Engenheiro de nariz empinado, Desikachar achava que não tinha necessidade alguma de religião.

Krishnamacharya respeitou esse desejo e eles começaram suas aulas com asanas e canto do Yogasutra de Patanjali. Enquanto viveram no apartamento de uma peça, a família inteira foi forçada a juntar-se a eles, ainda que meio dormindo. As lições continuaram por 28 anos, embora nem sempre tão cedo.

Durante os anos em que ensinou seu filho, Krishnamacharya continuou a refinar a abordagem de Viniyoga, concebendo métodos de yoga para pessoas doentes, grávidas, crianças pequenas – e, é claro, aqueles em busca de iluminação espiritual. Ele dividiu a prática e yoga em três estágios, representando juventude, meia idade e velhice: primeiro, desenvolver força muscular e flexibilidade; segundo, manter a saúde durante os anos de trabalho e manutenção da família; finalmente, ir além da prática física para concentrar-se em Deus.

Desikachar observou que, à medida que os alunos progrediam, Krishnamacharya começava a dar ênfase não apenas a asanas mais avançadas, mas também aos aspectos espirituais do yoga. Desikachar deu-se conta de que, para seu pai, cada ação deveria ser um ato de devoção, de que cada asana deveria conduzir à calma interior. De forma semelhante, a ênfase colocada por Krishnamacharya na respiração tinha a intenção de transmitir implicações espirituais junto com os benefícios fisiológicos.

De acordo com Desikachar, Krishnamacharya descrevia o ciclo da respiração como um ato de entrega. “Inala, e Deus se aproxima de ti. Retém a inalação, e Deus permanece contigo. Exala, e tu te aproximas de Deus. Retém a exalação, e entrega-te a Ele”.

Durante os últimos anos de sua vida, Krishnamacharya introduziu o canto Védico na prática de yoga. , sempre adaptando o número de versos para corresponder ao tempo que o aluno pudesse sustentar a postura. Essa técnica pode ajudar os alunos a manter o foco, sendo também um passo em direção à meditação.

Quando entrava nos aspectos espirituais do yoga, Krishnamacharya sempre respeitava o background cultural de cada aluno. Uma de suas alunas de longo tempo, Patrícia Miller, que atualmente ensina em Washington D.C., lembra-se dele conduzindo meditação e oferecendo alternativas. Ele instruía os alunos a fechar os olhos e observar o espaço entre as sobrancelhas, e então dizia: “Pense em Deus. Se não em Deus, no sol. Se não no sol, em seus pais”. Krishnamacharya estabelecia apenas uma condição, explica Miller: “a de que nós reconhecêssemos um poder maior do que nós mesmos”.

Preservando um Legado

Hoje em dia, Desikachar expande o legado de seu pai supervisionando o Krishnamacharya Yoga Mandiram, em Chennai, Índia, onde todas as abordagens contrastantes de Krishnamacharya ao yoga vêm sendo ensinadas e seus escritos traduzidos e publicados. Com o passar do tempo, Desikachar abraçou a completa amplitude do ensinamento de seu pai, incluindo sua veneração a Deus. Mas Desikachar também compreende o ceticismo ocidental e insiste na necessidade de despir o yoga de seus arreios hindus, para que ele permaneça um veículo para todas as pessoas.

A visão de mundo de Krishnamacharya estava enraizada na filosofia Védica; a do Ocidente moderno está enraizada na Ciência. Formado em ambas, Desikachar vê o seu papel como o de um tradutor, transmitindo a sabedoria antiga de seu pai aos ouvidos modernos. O principal foco tanto de Desikachar quanto de seu filho, Kausthub, está em compartilhar essa antiga sabedoria do yoga com a próxima geração. “Nós devemos às crianças um futuro melhor”, ele diz. Sua organização oferece aulas de yoga para crianças, incluindo as deficientes. Além de publicar livros de histórias apropriadas à idade e de orientação espiritual, Kausthub está desenvolvendo vídeos para demonstrar as técnicas de como ensinar yoga aos pequenos, usando métodos inspirados no trabalho de seu avô em Mysore.

Embora Desikachar tenha passado quase três décadas como aluno de Krishnamacharya, ele afirma ter recolhido apenas o básico dos ensinamentos de seu pai. Tanto os interesses quanto a personalidade de Krishnamacharya se assemelhavam a um caleidoscópio; yoga não era senão uma pequena parte do que ele conhecia. Krishnamacharya também perseguiu disciplinas como filologia, astrologia e também música. Em seu próprio laboratório Ayurvédico, ele preparava receitas de ervas.

Na Índia, ele ainda é mais bem conhecido como curador do que como yogi. Ele também era cozinheiro gourmet, horticultor e um astuto jogador de cartas. Mas a erudição enciclopédica que o fez às vezes parecer alheio, ou mesmo arrogante, em sua juventude – “intelectualmente intoxicado”, como Iyengar educadamente o caracteriza -, finalmente deu espaço a um anseio por comunicação. Krishnamacharya compreendeu que muito do conhecimento tradicional indiano, que ele possuía como um tesouro, estava desaparecendo, e assim ele abriu seu estoque de conhecimentos a qualquer pessoa com um saudável interesse e suficiente disciplina. Ele sentiu que o yoga tinha que se adaptar ao mundo moderno, ou desapareceria.

Uma máxima indiana sustenta que, a cada três séculos, alguém nasce para re-energizar uma tradição. Talvez Krishnamacharya fosse um tal avatar. Tendo enorme respeito pelo passado, ele também não hesitou em experimentar e inovar. Ao desenvolver e refinar diferentes abordagens, ele tornou o yoga acessível a milhões. Esse, no fim, é o seu maior legado.

Assim como diversas se tornaram as práticas nas diferentes linhagens de Krishnamacharya, paixão e fé no yoga permanecem como sua herança comum. A mensagem tácita que seu ensinamento oferece é de que o yoga não é uma tradição estática; é uma arte viva, que respira e cresce constantemente através dos experimentos e da aprofundada vivência de cada praticante.

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Por Fernando Pagés Ruiz
Tradução para o português de Maria Nazaré Cavalcanti
Publicado originalmente no site www.anjali.com.br

Fernando Pagés Ruiz é colunista, jornalista pesquisador e editor de Yogajournal. Vive em Lincoln, Nebraska. Esse artigo foi publicado na revista Yogajournal de Mai/Jun 2001. Sua versão original em inglês pode ser encontrada on-line no seguinte endereço: www.yogajournal.com/wisdom/465_1.cfm

 

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